"Até para semear couves eu emigrava para Angola!" |
Fonte: Jornal de Notícias/ Fernando Basto | |
Monday, 09 February 2009 | |
« Portugueses partem em busca de trabalho e ordenados "chorudos". Os que já lá estão rejeitam a ideia de "Eldorado" e falam em trabalho árduo, mas compensador. E cada vez há mais quem queira partir. "Eu nem que tenha que ir semear couves e batatas, prefiro ir para Angola do que ficar por cá. Sempre vou para um país mais quente. Além de ir ganhar o triplo, claro!". Ana Rodrigues já não acreditava que, com 49 anos de idade, iria encontrar emprego com tanta facilidade. "Foi no Verão. Fui à Net e vi um anúncio a pedir escriturários para trabalhar numa empresa portuguesa em Luanda. Concorri e fui chamada no início de Janeiro", revelou, com um brilho no olhar. O facto de ter nascido em Angola - apesar de ter nacionalidade portuguesa - foi uma vantagem. Para os empresários portugueses - que só podem contratar fora de Angola um terço dos seus trabalhadores - dar emprego a um trabalhador com nacionalidade angolana é uma vantagem: obtém vantagens fiscais e liberta mais uma vaga na sua quota de trabalhadores portugueses. Ana trabalha como escriturária em Marco de Canaveses. Descontente com o parco ordenado de 750 euros, o que também ali a desespera é a falta de perspectivas de desenvolvimento profissional. "Há uns dois anos que tenho sentido a necessidade de emigrar. Vou pelo salário, claro, pois vou ganhar 2300 euros, além do alojamento e refeições oferecidos pela empresa. Mas sentia necessidade de sair deste país para fora", confessou. Ana tem uma outra vantagem: não tem "amarras", é solteira. O mesmo não pode dizer Paulo Pereira, 42 anos, segurança, residente em Castelo de Paiva. Quando o tema da conversa é emigrar para Angola, o seu rosto queda-se triste e apreensivo. Sabe que no próximo dia 20 embarca rumo a Viana, uma pequena cidade da província de Luanda, onde vai trabalhar para uma empresa de segurança privada e... ganhar bastante mais do que os 800 euros mensais que agora leva para casa. Por cá, ficam a mulher e as suas duas filhas, de 16 e 18 anos. "Eu aqui tenho a minha vida estável, mas penso muito no futuro das minhas filhas e do que lhes poderei dar. As saudades são a parte pior disto tudo", referiu. Paulo Pereira conta "aguentar" por lá dois ou três anos. Tem receio das doenças e da insegurança que por lá possa encontrar. "Gostava de dar-me bem por lá e poder, mais tarde, levar a família comigo", consentiu. Com ele, vai também Vítor Almeida, 36 anos, residente em Castelo de Paiva. Desempregado há já dois anos, depois de ter dado 10 anos da sua vida ao Exército, a oferta de trabalho para Angola foi a única que lhe surgiu depois de meses e meses à procura de algo. "Vou com ânimo, pois sei que, finalmente, vou ter um emprego para trabalhar", afirmou, com satisfação. Lamenta que toda a dedicação que entregou à vida militar - participou em três missões de paz de seis meses na Bósnia - de nada lhe tenha valido. "Quando cheguei ao fim dos contratos, vim de lá com uma mão à frente e outra atrás", lastimou. Deixa a mulher - também desempregada - e dois filhos, de 10 e 12 anos, em Castelo de Paiva para trabalhar em segurança privada. "O meu patrão oferece uma determinada quantia mais se eu quiser levar a família comigo, mas para já prefiro ver primeiro se me vou adaptar ou não", revelou. _____________________________________________ Momento bom Jorge Correia, 52 anos, está na cidade de Huambo (ex-Nova Lisboa) desde 2002. Em Portugal, deixou a família a tomar conta da empresa de materiais de construção que implementou em Oliveira do Bairro, há 12 anos. "Quando começaram as dificuldades na construção civil e os negócios enfraqueceram, decidi vir para o Huambo, onde comprei uma empresa de construção civil e obras públicas", contou. Jorge Correia confirma que este é um momento bom para investir em Angola. "Isto não é fácil, não é nenhuma árvore das patacas. Tenho avisado muitos portugueses de que é preciso saber trabalhar e, sobretudo, saber respeitar o povo daqui. Há quem venha ainda com um espírito colonialista e perca a noção da liberdade que este país tem. E isso é muito mau para quem quer vingar aqui", sublinhou. A mesma ideia é partilhada por Rui Santos, um português radicado em Luanda desde 2002, onde criou uma empresa de consultadoria, que dá apoio à internacionalização de empresas. "O empresário português não pode ver Angola como uma extensão de Portugal. É um mercado diferente, que exige uma abordagem diferente. E quem não percebe isto, enterra-se!", realçou. Pela sua mão, mais de 60 empresas "nasceram" em Angola, na sua maioria de capitais portugueses. "Estamos num país que tem pela frente uma vasta obra de reconstrução nacional. Há obras por todo o lado e, por isso, há ainda mercado para muitas mais empresas", revelou. "Temos clientes do Vale do Ave, do sector dos têxteis e calçado, que trouxeram para cá as máquinas e estão a safar-se lindamente! É que há aqui 18 milhões de pessoas para vestir e calçar", salientou. ______________________________________________ Faltam professores Rui Santos realça como sectores ávidos de investimento os da saúde (material hospitalar e medicamentos), tecnologias da informação, marketing e publicidade, agricultura e pescas e formação. "Aqui há uma grande falta de professores de todas as áreas. Criar uma escola é ter alunos garantidos logo à partida", revelou. Contudo, deixou um conselho: "Os portugueses que queiram investir aqui em Angola devem procurar apoio especializado e não virem com base em saudosismos e paternalismos, recorrendo a familiares e amigos", sustentou. João Machado, 49 anos, angolano filho de portugueses e contabilista em Malange, admite ao JN que trabalhar naquele país "não é um mar de rosas". E esclarece: "Quem quiser trabalhar muito pode ter a certeza de que também vai ganhar muito. Agora, quem estiver habituado a trabalhar oito horinhas por dia e o resto é para descansar, pode estar certo de que aqui não vai ter futuro", deixou claro. Essa mesma percepção do que é a vida laboral em terras angolanas tem António Pimentel, um engenheiro civil que, desde 2007, trocou Coimbra pelo Lobito, uma cidade da província de Benguela. Na cidade do Mondego explorava uma empresa familiar de administração de condomínios. Apesar de os negócios correrem bem, as perspectivas de desenvolvimento eram escassas. Em 2007 fez as malas, deixou para trás a mulher e dois filhos e foi exercer engenharia civil no Lobito. Hoje, dois anos depois, agora com a família ao seu lado, António Pimentel está a montar uma empresa de produtos médicos, já que a mulher está ligada ao sector da saúde. "Angola é apelativa ao trabalho. Em Portugal as pessoas têm a ideia de que isto é o Eldorado, mas desenganem-se. Há muita concorrência, principalmente dos chineses e brasileiros que para cá vêm, e é preciso trabalhar muito", frisou. ____________________________________________ Vontade de partir Sérgio Rodrigues, casado, 35 anos, residente em Coimbra, possui muita experiência na área da pintura e construção civil. Desempregado há um ano, tem tentado arranjar emprego em Angola, mas ainda nada conseguiu. "Tenho um amigo que é pedreiro e ganha lá quatro mil euros por mês, quando aqui ganharia apenas uns mil euros", referiu. Vai continuar a tentar a sua sorte, pois "aqui em Portugal já não há mais condições de vida". Também Telmo Figueiredo, 34 anos, casado, funcionário judicial em Aveiro, procura um lugar em serviços sociais ou jurídicos ou recursos humanos em Angola. "Em Dezembro ofereceram-me uma viagem para ir visitar um familiar em Cabinda. Não fui pelas dificuldades que Angola criou. Até queriam que eu levasse 200 dólares por cada dia de estadia!", revelou. » |
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