sábado, abril 03, 2010

DE BEIJÓS > A TOLEDO II




TOLEDO »» EGAS MONIZ E O EXEMPLO DE LEALDADE


Verificámos que o tema ainda não está esgotado.
Por isso vamos procurar desenvolvê-lo numa perspectiva histórica, com base nalguns tópicos que encontrarmos nas nossas pesquisas.

»» Em "A MONARQUIA PORTUGUESA" R.D.
Observámos:
EGAS MONIZ OU O DRAMA DA FIDELIDADE
"Todas as nações têm os seus mitos. Sobretudo quando são muito antigas e mergulham raízes na Antiguidade ou na Idade Média. Antes da divulgação da imprensa, quando o saber se transmitia oralmente ou em manuscritos que reviviam pela arte da cópia, quando a memória colectiva se alimentava de coisas difíceis de explicar, coisas admiráveis e espantosas que podiam ser exemplos a seguir ou desgraças a evitar, criavam-se, sabe Deus como, estórias capazes de dar vida a um morto, de dar fé a um céptico, de dar esperança a um desesperado. E as velhas nações viviam destas estórias; e a má sina afugentava-se diante desses exemplos. Assim foi, durante séculos e séculos, com Egas Moniz e a sua alta fidelidade.
Toda a gente sabe de cor, mesmo sem recorrer aos Lusíadas, a linda estória: o aio a salvar o infante, prometendo sob sua palavra e nela empenhando a do senhor, vassalagem leal ao rei de Leão e Castela; a ousada atitude do infante: vassalagem só ao papa e a mais ninguém na Terra; e a mísera condição a que se sujeita com mulher e filhos, o nobre, mil vezes nobre, Egas Moniz. Lá vai ele «com seus filhos e mulher», «descalços e despidos», para «pagar com a vida o prometido».
Veio a história-ciência e apagou a história-vida. Outro saber se sobrepõe àquele saber mais antigo e venerando: não há fundamento; a própria escultura estoriada que, no túmulo de Paço de Sousa, metia pelos olhos dentro o acontecido resulta de artifício técnico; e outro episódio a este semelhante, mas bem posterior e bem alheio a nós, vem substituir a crença ingénua e fecunda. E este é o segundo drama da fidelidade: não existiu. Melhor! Temos de o reinventar..."(Pg. 280)
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CAMÕES CANTOU ASSIM:

[Os Lusíadas - Canto III]
(...)
35
Não passa muito tempo, quando o forte
Príncipe em Guimarães está cercado
De infinito poder, que dessa sorte
Foi refazer-se o imigo magoado;
Mas, com se oferecer à dura morte
O fiel Egas amo (1), foi livrado;
Que, de outra arte, pudera ser perdido,
Segundo estava mal apercebido.
36
Mas o leal vassalo (2), conhecendo
Que seu senhor não tinha resistência,
Se vai ao Castelhano, prometendo
Que ele faria dar-lhe obediência.
Levanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promessa e consciência
De Egas Moniz; mas não consente o peito
De moço ilustre a outrem ser sujeito.
37
Chegado tinha o prazo prometido,
Em que o Rei Castelhano já aguardava
Que o Príncipe, a seu mando submetido,
Lhe desse a obediência que esperava.
Vendo Egas que ficava fementido (3),
O que dele Castela não cuidava,
Determina de dar a doce vida
A troco da palavra mal cumprida.
38
E com seu filhos e mulher se parte
A alevantar co eles a fiança,
Descalços e despidos, de tal arte
Que mais move a piedade que a vingança.
Se pretendes, Rei alto, de vingar-te
De minha temerária confiança,
Dizia, eis aqui venho oferecido
A te pagar coa vida o prometido.
39
Vês aqui trago as vidas inocentes
Dos filhos sem pecado e da consorte (4);
Se a peitos generosos e excelentes
Dos fracos satisfaz a fera morte,
Vês aqui as mãos e a língua delinquentes:
Nelas sós experimenta toda a sorte
De tormentos, de mortes, pelo estilo
De Sínis (5) e do touro de Perilo (6).
40
Qual diante de algoz o condenado,
Que já na vida a morte tem bebido,
Põe no cepo a garganta e, já entregado,
Espera pelo golpe tão temido:
Tal diante do Príncipe indignado
Egas estava, a tudo oferecido.
Mas o Rei vendo a estranha lealdade,
Mais pode, enfim, que a ira a piedade.
41
Ó grão fidelidade Portuguesa
De vassalo que a tanto se obrigava!
Que mais o Persa fez naquela empresa -> (7)
Onde rosto e narizes se cortava?
Do que ao grande Dário tanto pesa,
Que mil vezes dizendo suspirava
Que mais o seu Zopiro são prezara
Que vinte Babilónias que tomara. -> (7)
(...)
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(1) - Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques;
(2) - Egas Moniz;
(3) - Sem cumprimento, perjuro;
(4) - Esposa;
(5) - Salteador dos arredores do Corinto que atava os viandantes que lhe caíam nas mãos aos ramos de duas grossas árvores encurvadas à força até ao chão e, soltando-as de repente, assim fazia despedaçar os corpos das vítimas;
(6) - Mecânico, inventor de um touro de bronze, oco, em cujo interior eram lançadas as vítimas do tirano Fálaris, de Agrigento, e queimadas pelo fogo ateado por debaixo do touro;
(7) - O Persa [...] tomara - Zópiro, para conseguir que Babilónia fosse tomada por Dario, que havia muito tempo a estava cercando, mutilou-se, cortando o próprio nariz e as orelhas, e apresentou-se assim aos sitiados, fingindo-se vítima de Dario. Os Babilónio, acreditando em Zópiro, deram-lhe a chefia das tropas, as quais ele logo entregou, juntamente com a cidade, aos Persas.
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Oh ETERNA FIDELIDADE
Quem pudera guardá - la em tudo e para tudo na vida.
Palavra que mais cimenta a confiança entre as pessoas e entre os povos.

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